Ego – Bruno Caldeira e Gustavo Rizzotti
Assisti ontem no espaço cultural Laura Alvim.
Digo logo de cara que gostei muito! E que vou falar dela sem spoilers, certo?
O espetáculo comemora 30 anos da Cia.2 de Teatro, que tem uma longa jornada internacional e nacional. A supervisão é de Clarice Niskier.
Tudo que vi antes de ir era que a estética era queer, o tema transitava pela filosofia do EU passando por Lacan e Atenção Plena (mindfulness). Pode ser útil dar uma revisada em conceitos antes de ir, mas gostei de mergulhar plenamente a minha atenção na sequência de histórias contadas com uma estrutura narrativa que me remeteu ao teatro do Absurdo de Ionesco e à hiper realidade de Baudrillard. Faz sentido porque Lacan era contemporâneo do movimento.
Mas não é necessário conhecer essas coisas para assistir à peça! Pode ir sem medo! Só tenha em mente que é um pouco uma viagem entre consciente e inconsciente e, em vários momentos, ela nos convida não a entender, mas a experimentar ideias e sensações.
Tem essa ideia de que a consciência pode surgir de funções do cérebro (teoria neurobiológica e espaço global da consciência. Não vem ao caso) ou que devemos abordá-la de um jeito mais subjetivo, como o fenômeno que acontece quando percebemos que existe nós e algo mais… Fenomenologia é um treco cabeçudo e não resumi bem, mas pelo menos a gente não precisa dela para entender a peça, foi só mais uma das coisas que ela me lembrou.
O que importa é que um dois jeitos de vivenciar essa peça é justamente se entregando às sensações pensamentos subjetivos que ela nos desperta.
Ela tem histórias, não é uma criação nouvelle vague… ou talvez tenha influência… Mas acho que as histórias, umas perturbadoras, outras, arrependimentos do ator/autor (todas as histórias são reais e vividas por ele) são menos importantes que as experiências que elas nos provocam, entende?
Por falar em experiência, uma parte importante do espetáculo é a forma como ele é vocalizado, ora com oscilações intensas entre agudos e graves, ora como a voz mecânica que, pelo menos para mim, remeteu aos “incorporadores de inteligências alienígenas” que tem surgido há algum tempo (na cena em que o ator personifica um gato preto), ora com a suavidade e seriedade de quem senta conosco na intimidade da sala de estar para fazer confissões filosóficas e de vida.
O espetáculo me causou impressões tão fortes que fiz uma coisa que não fazia há muitos anos: levantei no meio da madrugada para fazer anotações no meu gerenciamento de conhecimento pessoal (faço no Obsidian). Deixa eu ver se esqueci alguma coisa, porque acordei e vim escrever sem consultar…
Ah! Mindfulness (vídeo meu em 2016)! Então… O programa destaca bastante a influência das ideias de Eckhart Tolle, autor de Uma Nova Consciência, que não li, mas é um pensador espiritualista que aborda a atenção plena (como traduzimos mindfulness no Brasil). E eu não vi conceitos de atenção plena na peça, o que não é, de forma alguma, uma crítica! Afinal a peça em si nos conduz muito bem a mais de uma hora de experiência de atenção plena enquanto imergimos nela. É perfeitamente possível que os conceitos estivessem lá outra forma e não notei porque a minha atenção não estava tanto nas camadas mais à tona da consciência.
A peça é repleta de referências à cultura pop (inclusive uma muito bem-vinda a uma roqueira brasileira que gosta de filosofia e uma música dela fecha o espetáculo), filosofia e ao teatro. São agrados para fãs dessas áreas, mas desnecessárias para entender e aproveitar o espetáculo.
Uma referência que, desconfio, é pura viagem minha: “We all float here…”. Se você assistiu e pensou a mesma coisa, não está só!
Concluindo…
A peça é maluca? Cara… É um pouco! Mas também é perfeitamente compreensível tanto para quem se interessa pelas áreas do conhecimento que lhe serviram de inspiração e de base, quanto para quem nunca ouviu falar nelas.
A gente precisa dar um pouco de maluquice tanto para a nossa mente consciente, quando para as camadas inconscientes, isso alimenta o nosso espírito!
A peça é pesada? Olha… Para mim não foi, mas foi para uma das amigas e entendo porque, afinal, passa por temas como suicídio e perversidade acidental (você vai entender quando assistir), mas um tom de leveza dado pela atuação e até de humor (a peça é classificada como humor por alguns, mas acho que ela merece não ser limitada por classificações) criam um certo distanciamento, como se estivéssemos vendo muitas histórias ao mesmo tempo, refletidas em fragmentos de espelhos quebrados (uma referência recorrente na peça e, coincidentemente, apelido desse site aqui: galeria de espelhos).
Foto: eu mesmo tirei antes de começar o espetáculo.
Frases tiradas dos links mais abaixo:
“Praticar o autoconhecimento é como olhar para um espelho que reflete não apenas a nossa aparência, mas também a nossa essência.”
“A peça Ego é uma imersão profunda em reflexões sobre nós mesmos e nossa essência. Com uma narrativa cativante e instigante, o público é convidado a mergulhar nas artimanhas do ego, que nos separam uns dos outros e nos distanciam de nossa verdadeira essência”, declara o diretor, Rizzotti.
“As reflexões levantadas durante o espetáculo são extremamente relevantes para o mundo contemporâneo, no qual muitas vezes nos sentimos desconectados e perdidos em meio às pressões e distrações do cotidiano”, explica o ator Bruno Caldeira.
“O ego pode ser um grande obstáculo para o autoconhecimento, porque muitas vezes, ele nos faz acreditar que precisamos ser perfeitos ou que não podemos demonstrar vulnerabilidade.” – Bruno Caldeiras
“Praticar o autoconhecimento é como olhar para um espelho que reflete não apenas a nossa aparência, mas também a nossa essência.” – Bruno Caldeiras
Links
Todos os artigos destacam que a peça é no formato de “teatro de depoimento”. Não entendi por que consideram isso tão importante, mas tô registrando aqui, né?
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