Promessa é Dívida: Compromisso Assumido no WhatsApp Gera Obrigação de R$ 10 mil
Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense.
A digitalização das relações pessoais e financeiras tem produzido novos desafios para o Direito. Entre conversas rápidas, promessas impulsivas e acordos informais, plataformas como WhatsApp vêm se tornando cenário de disputas judiciais cada vez mais frequentes. Um caso recente julgado pela Justiça de Limeira (SP) mostra claramente como uma simples frase pode gerar uma obrigação civil plenamente exigível.
O Caso: Do “Vou te pagar 10.000” ao Processo Judicial
A controvérsia envolveu um ex-casal que, durante a gestação da filha, combinou a divisão de despesas médicas. A mãe, para arcar com o custeio da cesariana, utilizou R$ 5 mil que estavam destinados ao pagamento das parcelas de seu apartamento. O pai da criança se comprometeu a assumir essas parcelas como forma de compensação. No entanto, a promessa não foi cumprida.
Meses depois, diante das cobranças e do acúmulo das prestações em atraso, o homem enviou uma mensagem por WhatsApp1 reconhecendo expressamente a dívida e prometendo pagar R$ 10 mil divididos em dez parcelas o dobro do valor inicialmente utilizado pela mulher. Apesar da confissão e do acordo informal, nenhum pagamento foi realizado. Diante da inadimplência, a mulher ajuizou ação de cobrança.
A Defesa: Meras Propostas ou Reconhecimento Inequívoco de Dívida?
O réu argumentou em juízo que as mensagens eram apenas demonstrações de boa vontade, e não confissão de débito. Sustentou que os R$ 5 mil utilizados pela mãe diziam respeito a despesas parentais compartilhadas e afirmou que havia contribuído com outros custos, como pagamento do médico e do plano de saúde da filha por um ano. Todavia, nenhum comprovante foi apresentado. Segundo sua versão, a ação teria caráter coercitivo, ainda mais diante da existência de uma disputa trabalhista entre as partes.
A Análise Judicial: A Força Probatória da Comunicação Eletrônica
O juiz Rilton José Domingues, da 2ª Vara Cível de Limeira, examinou detenidamente as mensagens trocadas entre as partes. A autenticidade dos diálogos não foi contestada, e o teor da conversa foi determinante. Para o magistrado, a frase “vou te passar 10.000” configura mais do que uma proposta genérica: trata-se de um reconhecimento claro, voluntário e específico de dívida, preenchendo os requisitos de certeza e liquidez exigidos pelo Código Civil para a cobrança.
O juiz destacou ainda dois pontos fundamentais:
- Reconhecimento da origem da dívida: O réu admitiu que os R$ 5 mil usados pela autora foram aplicados na cesariana e, de forma espontânea, ofereceu-se a pagar o dobro do valor.
- Ausência de prova em sentido contrário: Alegações sobre pagamentos paralelos médico ou plano de saúde não vieram acompanhadas de qualquer documento, enfraquecendo totalmente a defesa.
Com base nisso, o magistrado concluiu que a comunicação, ainda que informal, gera efeitos jurídicos: o reconhecimento de dívida por escrito, mesmo em mensagem eletrônica, constitui título apto a embasar cobrança judicial.
O homem foi condenado ao pagamento dos R$ 10 mil prometidos, acrescidos de juros e correção monetária. A decisão reforça uma tese já consolidada nos tribunais: conversas de WhatsApp podem constituir prova válida e suficiente para reconhecer obrigações civis, desde que seu conteúdo seja claro e não haja indícios de manipulação.
Por Que Esse Caso Importa?
Esse julgamento traduz, de maneira bastante prática, um movimento crescente no Judiciário brasileiro: o reconhecimento da força das comunicações digitais como instrumentos jurídicos. Em tempos em que acordos são selados por mensagens rápidas, prints de tela e áudios improvisados, é essencial compreender que:
- Palavras têm peso, mesmo quando ditas por aplicativo.
- Reconhecer uma dívida ou assumir um compromisso financeiro em chat pode gerar obrigação legal.
- A informalidade não exclui responsabilidade.
- A ausência de provas documentais pode fragilizar totalmente a defesa.
A Era dos Acordos Digitais
O caso de Limeira reforça um recado importante: o Direito acompanha a vida real e, portanto, acompanha as conversas digitais. Se a mensagem expressa uma promessa clara, específica e voluntária, ela pode e será utilizada como prova.
Para quem atua na área jurídica ou nas perícias envolvendo comunicações digitais, esse tipo de decisão reafirma o valor probatório de mensagens instantâneas, especialmente quando demonstram reconhecimento de dívida, acordo ou intenção inequívoca de pagamento. Em outras palavras, no mundo jurídico contemporâneo, a velha expressão popular permanece atual: promessa é dívida — inclusive no WhatsApp.
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